EM BUSCA DA IDENTIDADE PERDIDA

Se há um esporte capaz de falar uma língua de entendimento universal, este é o futebol. Em todos os continentes, ele é praticado, reverenciado e consumido, envolvendo bilhões de pessoas, de interesses diversos, em torno do entretenimento e da busca de emoções particulares e coletivas. A história do futebol guarda simetria com a formação do povo brasileiro, e isso certamente é verdade. As duas histórias se cruzam e se completam em diversos pontos. Ao longo do século XVIII com a emergência da revolução industrial e das mudanças econômicas e políticas as discussões sobre identidade foram alargadas tratando o sujeito não mais individualmente, mas como inserido nestas estruturas. Essa visão mais social do sujeito foi o resultado de dois grandes eventos: a biologia darwiniana e a ascensão das ciências sociais. O indivíduo passou a estar em uma posição central nos discursos econômicos e sociais, e os processos mentais começaram a ser objetos de pesquisa da psicologia.

A dualidade indivíduo/sociedade passou a ser investigada do ponto de vista sociológico de como essas estruturas estão separadas e ao mesmo tempo conectadas e como o “eu” é apresentado referente ao conflito entre os diferentes papéis sociais que desempenha. A identidade é marcada no jogo da diferença, se baseia na diferenciação com o outro, se é o que é, porque o sujeito não se reconhece como o outro. A construção da identidade utiliza os artifícios históricos, biológicos, culturais, aparatos de poder, fantasias pessoais, crenças religiosas. Com base nesses artifícios a identidade deixa de lado o que não faz parte desses aparatos, por isso a construção da identidade preza pelo que é simbólico e que faz sentido ao grupo, aqueles que não se identificam participam de outros processos. O brasileiro é tido como um indivíduo alegre e lutador que enfrenta as dificuldades com raça e “honra” a camisa até o fim. E no ambiente do escrete vermelho não seria diferente. No futebol essa característica de bravura apareceu em algumas ocasiões e a crítica a falta dela em outras.

O discurso em relação à seleção brasileira por exemplo era de que mesmo não jogando o seu melhor futebol a garra e raça dos jogadores fazia toda a diferença. Os erros técnicos e táticos sempre eram solucionados com bravura, com amor à camisa e a honra de estar jogando uma copa “em casa”. No âmbito do futebol clubista não é diferente. Este anseio ficou explicito com a passagem desastrosa do técnico espanhol, era nítido a apatia dos jogadores e o desejo da torcida era o resgate da verdadeira identidade de garra e amor à camisa vermelha. A primeira fala de Diego Aguirre em sua apresentação já deixou claro; buscar a identidade do futebol colorado.

Os jogadores percebem que um técnico entende de futebol logo no discurso. Quando os atletas notam que o treinador tem muito conhecimento daquilo que fala, o processo de convencimento fica mais natural. É mais fácil comprar a ideia. Com Diego Aguirre era assim em 2015. Por isso muitos falavam que ele conseguia extrair muito do elenco.

Aguirre tem o perfil de atrair a atenção dos jogadores. Muito pelo fato de querer ser protagonista do jogo, e ele buscará isso no Inter nesta nova passagem. O que não necessariamente implica ter sempre mais posse de bola e envolver o time adversário, mas sim jogar com estratégia e mentalidade vencedora. Em dois jogos já é possível ver uma certa mudança; que ainda está longe do ideal. Nesta quarta o escrete terá pela frente um grande desafio que é encarar o poderoso Palmeiras.

No histórico geral do confronto, Palmeiras x Internacional já mediram forças em 90 oportunidades, e os colorados detém uma pequena vantagem. São 37 vitórias dos gaúchos, contra 30 triunfos palestrinos, além de 23 empates. Já em São Paulo, o Verdão tem boa vantagem: 19 vitórias, 10 empates e nove derrotas. Mas na história deste confronto há uma passagem um tanto quanto curiosa e que talvez possa nos dar uma análise do que Aguirre esteja idealizando.

Na reta final do Brasileirão de 1979, Inter e Palmeiras decidiriam uma vaga para a final do campeonato. O confronto importantíssimo não levou apenas a tradicional rivalidade entre paulistas e gaúchos, como trouxe para campo, um duelo individual entre Paulo Roberto Falcão e Mococa, volante palmeirense. Antes da partida ser disputada no Morumbi, o Jornal da Tarde, na época estampou em sua capa o questionamento que seria repercutido nacionalmente: “Mococa ou Falcão?” Falcão já era ídolo no Beira-Rio, bicampeão brasileiro o volante já tinha sido premido algumas vezes como melhor jogador do país, e ficou de fora da Copa do Mundo de 78, disputada na Argentina, por um desentendimento com o técnico Cláudio Coutinho. Já Mococa, era a grande revelação de Telê Santana para o Palmeiras naquela temporada. O jovem volante contava com muita força física, qualidade que encantou toda nação palmeirense.

A equipe de Ênio Andrade estava invicta na competição, o favoritismo para a partida estava ao lado do Palmeiras. A equipe Paulista chegou para o confronto depois de ter eliminado o Flamengo de Zico, com uma goleada por 4×0. Portanto, a imprensa nacional contava que o time palmeirense acabaria com a séria invicta do Inter, ainda mais com o jogo sendo disputado em um Morumbi lotado. No entanto, com a bola rolando, o que se viu foi uma das maiores atuações de Paulo Roberto Falcão. O maior craque da história do Beira-Rio, marcou dois gols na vitória colorada por 3×2.

Em uma grande partida, o Palmeiras até saiu na frente com Baroninho aos 34 minutos do primeiro tempo. No início da segunda etapa, a estrela do príncipe Jajá brilhou com um chute que arriscou de longe e empatou para os colorados. Cinco minutos depois, Jorge Mendonça aplicou um chapéu na zaga vermelha e fez um golaço. Delírio no Morumbi, a equipe de Telê Santana estava novamente na frente, e dessa vez, motivada por um belo gol. Porém, a partir desse momento, Falcão iniciou seu grande show naquela noite do dia 13 de dezembro de 1979.

Aos 19 minutos da etapa final, o volante colorado subiu no 5° andar e cabeceou forte no canto do goleiro, sem chances alguma de defesa para Gilmar. O empate já era muito favorável para a equipe de Ênio Andrade, que decidiria a vaga para a final jogando no Beira-Rio, mas o camisa 5 desejava muito mais.

Seis minutos depois de empatar o jogo, Falcão confirmaria sua atuação de gala com um golaço. Após Valdomiro disputar uma bola aérea, o volante colorado recebeu a sobra e aplicou uma finalização forte e certeira, virando o jogo para os colorados.

Na partida de volta, disputada no Beira-Rio, o Inter confirmou a sua vaga para final empatando com o Palmeiras por 1 a 1, seguindo em frente para conquistar o tricampeonato. Diante deste relato histórico o maior desejo do torcedor e do técnico charrua é encontrar essa identidade perdida num passado de glorias.

2 thoughts on “EM BUSCA DA IDENTIDADE PERDIDA

  1. Oi Adriano. Belo comentário e excelente retrospecto. Mas de 79, quando fomos Campeões invictos, passou muita água debaixo da Ponte. Fomos até conhecer a segundona. Hoje enfrentaremos uma equipe que briga pelo título, será um grande desafio vencer o alvo verde do Alanz Park. Palmeiras terceiro colocado, vem de jogos muito bons. Mas creio que é o momento de espantar esta nhaca de não estar vencendo no BR. Bom jogo pra todos nós.

  2. Alô você Adriano!
    Lembro muito bem dessa grande atuação do Inter e muito especialmente do “Bola-bola” que respondeu ao questionamento referido na manchete do Jornal (FALCÃO OU MOCOCA?), com uma atuação exuberante que obrigou o mesmo jornal a responder a sua própria pergunta na manchete do dia seguinte: FALCÃO É CLARO!
    História fantástica .
    Diretamente de Natal RN
    Coloradamente, Melo

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