Queda, exemplos e lições

Ser rebaixado ou brigar para não cair já virou rotina entre muitos gigantes do futebol brasileiro. Desde os anos 2000, quando finalmente se estabeleceu regulamentos que premiam a regularidade, sem favorecer os clubes mais tradicionais, apenas quatro clubes escaparam incólumes do fantasma da Série B. São vários os casos que equipes com elencos valiosos mas que colecionaram desempenhos questionáveis nas competições. O Inter 2016 é um bom exemplo disso. Ou alguém dúvida que não havia ali equipes piores que não foram rebaixadas?

A experiência mostra que ter um elenco valorizado no mercado não é prova de sucesso dentro de campo. O Inter 2016 tinha uma relação “valor do elenco/pontos conquistados” muito abaixo do que deveria. Em contrapartida, algumas equipes surpreendem – e muito. Vamos tomar como exemplo o 12º elenco mais valioso da Série B de 2016, o Atlético-GO, um time que fez excelente campanha com um elenco modesto é o Brasil de Pelotas e outro que possuía um elenco que valia em torno de 10 milhões de euro, o Joinville, com uma campanha desastrosa.

O que diferencia esses clubes?

Gestão, convicção, profissionalismo. Por exemplo, enquanto o Manchester United, o clube mais rico da Inglterra, fatura 500 milhões de libras esterlinas para investir em sua equipe, o Leicester City dispõe de apenas 54 milhões. Todo mundo sabe no que deu:

Com um orçamento limitado, a estratégia para montar uma equipe competitiva está em realizar um processo de seleção mais apurado, identificando profissionais com vontade de crescer e talento a ser lapidado. Investir em talentos já consagrados, e caros, pouco retorno dá. Saber quem e quando contratar é fundamental para o sucesso de um clube.

Uma equipe deve ser formada por profissionais competentes, comprometidos e que sabem o que estão fazendo. O trabalho em equipe é fundamental. Trabalhando assim, mesmo sem nenhuma grande estrela no time, o clube consegue levantar a taça. A vitória só será possível se os jogadores trabalharem em perfeita sintonia, entendendo o papel de cada um na estratégia do jogo. Pensar no grupo é o caminho para a conquista de todos. Neste caso, um capitão de time não é pago somente pra jogar e torcedor não apenas torce e dirigente dirige.

O técnico italiano Claudio Ranieri não tinha grandes conquistas em seu currículo profissional, mas conseguiu realizar um trabalho impecável no Leicester, por exemplo. Isso se deveu ao fato de ter empenhado esforços acima do necessário para cumprir sua meta inicial: não deixar o time ser rebaixado. Ao conhecer os pontos fortes e fracos de seus jogadores, o técnico conseguiu engajá-los e fazer com que dessem o seu melhor em nome do grupo. Um bom líder sabe motivar suas equipes e recompensá-las pelo trabalho bem feito. Se o técnico Ranieri não tivesse reforçado com seus jogadores o objetivo para a temporada, valorizando o que cada um deles tinha individualmente para conquistar o sucesso coletivo, talvez a história fosse diferente. O comprometimento da equipe com a meta daquele ano foi fundamental para chegar ao título.

Mas tem gente que não aprende: no livro Fábio André Koff, Memórias e Confidências (Ed. Age, 2a. edição), há um trecho que põe por terra um dos mitos gremistas, o da volta “honesta” para a primeira divisão em 1992. O que me interessa é esclarecer um ponto que os gremistas adoram negar: que houve uma enorme colher de chá para que o clube voltasse à primeira divisão em 1992. Houve. E com a participação do ínclito Eurico Miranda. Vejam o que disse o ex-presidente do Grêmio:

 

No caso do Grêmio, o rebaixamento serviu de lição, mas representou também anos de atraso: enquanto o Inter crescia, o Grêmio precisou se reerguer e hoje vê claramente a diferença (para pior) que uma Série B pode fazer. No início desta “nova fase” dizem por aí que a queda é um mal necessário para reestruturar o clube, seja no aspecto financeiro ou para unir time e torcida..

Por ser o clube mais popular de São Paulo, o Corinthians disputou a Série B como quem joga a Série A: a torcida apoiou do início ao fim, os patrocinadores não desapareceram e a Globo transmitiu quase todas as partidas. O resultado disso em campo não poderia ser diferente: o título mais incontestável da história da Série B, com a melhor campanha do atual modelo.

Logo na volta à elite, o clube apostou pesado e contratou nada mais nada menos que Ronaldo para ser o grande craque do time, conquistando os títulos do Campeonato Paulista e da Copa do Brasil. A partir de 2010, o Corinthians se tornou o clube brasileiro mais vencedor da década. Até um estádio ganhou do governo federal.

O caso do Fluminense é bem diferente de seus rivais. O Fluminense é o único dentre os “12 grandes” que viveu o verdadeiro fundo do poço: após uma série de rebaixamentos, chegou a disputar a Série C do Brasileirão em 1999. Conquistou o título da Terceirona e, graças à confusão criada pela Copa João Havelange, o clube voltou a Série A já no ano 2000. Com um trunfo que nenhuma das outras equipes teve – o investimento da Unimed – o Fluminense conseguiu rapidamente resultados expressivos no retorno à elite.

Para o Atlético MG, é inegável que os últimos anos foram muito bons para o torcedor, mas  creditar isso como um possível “aprendizado” do rebaixamento é analisar a história por um viés equivocado.

Após cair para a Série B em 2005, o Atlético Mineiro voltou com força total no ano seguinte, com grande apoio da torcida. Porém, uma vez na Série A, o time passou muito tempo como mero coadjuvante no futebol brasileiro, algumas vezes brigando para não voltar à Segundona. As únicas alegrias vinham com os títulos do Campeonato Mineiro.

Somente em 2012, com maiores investimentos e a contratação de Ronaldinho Gaúcho, o Atlético voltou a fazer boa campanha no Brasileirão, ficando com o vice-campeonato. A partir daí, passou a figurar entre os principais times do Brasil. Para chegar à situação atual, o grande mérito do clube mineiro foi ter conseguido permanecer na Série A nos tempos de crise, entre 2007 e 2011. Um segundo rebaixamento nesse período e a história do Atlético poderia ter sido completamente diferente…

No Palmeiras, a torcida só teve motivos para sorrir desde a passagem pela Série B. Apesar de retornar em alta para a Série A após o rebaixamento de 2002, se classificando para a Libertadores de 2005 e 2006, o Palmeiras só conquistou seu primeiro título em 2008: o Campeonato Paulista.

Em 2012, o Palmeiras voltou a conquistar um título nacional depois de 12 anos: a Copa do Brasil, a última edição sem a participação dos clubes da Libertadores. Na mesma temporada, porém, novo rebaixamento e retorno da crise. Mais uma vez, o clube subiu sem sustos e com o título da Série B, mas fez feio no retorno à elite: com um time fraco, quase foi rebaixado novamente em 2014, sendo salvo na última rodada graças a uma vitória do rival Santos. Hoje, o futuro parece ser promissor para o Palmeiras, mas não por conta das lições da Série B.

Para os otimistas, o rebaixamento pode ser uma chance de arrumar a casa. Apesar de gerar receitas menores, um ano na Serie B também exige um orçamento menor e pode ser utilizado para montar um elenco mais modesto, apostar nas categorias de base e tentar equacionar algumas dividas. Além disso, depois de um rebaixamento, a cobrança da torcida aumenta e tal situação pode acabar com o conformismo que assola muitos clubes.

Apesar de parecer um bom “tratamento” para equipes “doentes”, a maioria dos times não sabe lidar com a passagem pela Série B e acabam, inevitavelmente, voltando para o “hospital”. A pressão é muito grande, mas subir a qualquer custo também não é a solução. Fazer loucuras para retornar à elite com toda força também não adianta muito. Uma hora a crise vai voltar a bater na porta.

É claro que ser rebaixado é uma grande ‘tragédia’ (vem me criticar mídia hipócrita, vem) para um clube como o Inter, mas vale ressaltar que o rebaixamento deve ser encarado como um momento de reformulação, sem maiores pressões. É difícil, mas não é impossível. Beijocas…

Simone Bonfante – Criciúma/SANTA CATARINA

Inter: no campeonato das paixões és líder invicto e isolado!

11 thoughts on “Queda, exemplos e lições

  1. Buenas

    Muito bom o texto … Colocastes no papel muitas verdades vividas pelos clubes que tiveram a honra de serem rebaixados.

    O nosso Inter precisa entender que este rebaixamento tem que servir para planejamento do clube a médio/longo prazo … para podermos voltar a trilhar os caminhos dos títulos. Chega de tomar ações pensando no bem próprio e não na instituição Sport Club Internacional.

    2017 promete fortes emoções também !!

    Saudações

  2. Bom dia Simone.

    Hoje finalmente tive tempo para ler o teu texto com calma. Olha, muito legal. Fizeste uma bela análise de várias situações que de alguma maneira estão ligadas com o nosso (infelizmente) rebaixamento. Que, Simone foi preparado, foi arquitetado, involuntariamente, é certo, mas a forma com que o Inter foi dirigido nos últimos dois anos só podia dar nisso. Embora que as incompetências no BR estão instaladas há mais tempo. Só escapamos do rebaixamento em 2013 na última rodada. Há quanto tempo o saudoso capitão Fernandão denunciou a “zona de conforto”?

    Marcelo Medeiros e equipe terão muito trabalho pela frente. Há todo um processo de reconstrução que precisa ser feito. Que esta nova diretoria tenha sabedoria, competência e pulso firme para recolocar o Colorado no caminho das vitórias!

    Que o 2017 seja bem melhor para todos os colorados(as)!

  3. Olá, não sou muito de participar dos comentários, mas gosto de ler o que pensam os demais colorados. Desde que a RBS decidiu “monetarizar” o ColoradoZH, deixando o blog só para assinantes (antes já vinham largando), ficamos órfãos de muitos bons comentaristas que lá postavam. É impressionante, mas com todo o tamanho do Inter, praticamente não existem blogs atualizados de torcedores, com vasta participação. Tem um onde adolescentes ficam se provocando o tempo todo e bancando os sabichões. Outro onde você só entra se for convidado por outro torcedor, então não sei se é bom ou não, e o “Arquibancada Colorada”. Torço pelo sucesso de vocês, mas gostaria de ver muito mais comentários em cada post, pois, mais do que o assunto postado, o que chama a atenção dos frequentadores são os comentários, a troca de ideias e informações sobre o time. Portanto, o “Arquibancada” pode tranquilamente substituir o Colorado ZH, mas precisa incentivar que mais torcedores participem e liberar mais rapidamente os comentários.
    Abraço a todos.

  4. OBRIGADA ADRI…MAS TAMBÉM CREIO QUE NOSSOS DIRIGENTES É QUE PRECISAVAM SER REBAIXADOS PARA PARAREM DE FAZER BESTEIRA POIS PENSAVAM QUE ‘TIME GRANDE NÃO CAI’. É VERDADE, MAS E UM MEDIOCRE COMO O QUE FOI MONTADO?

  5. Ola, que bom te-la devolta!
    Excelente texto, sem reparações. Mas me permita confidenciar, que mesmo sabendo de tudo isso fiquei muito cansafda este ano. A intensidade de tudo, ao ser rebaixado, é muito maior que ao ganhar um título. Ainda que seja um grande título. Não quero mais brincar com isso. Quero sair desta B e nunca mais voltar! Desde que seja para ir para a A é claro!

  6. Alô você Simony B!
    Um salve ao esperadíssimo retorno.
    Em minha verdade o Inter, nesse 2016 se assemelhou a um cozinheiro pouquíssimo graduado que tinha ao seu alcance as muito boas especiarias para a confecção de uma refeição dígna de um hotel 4 estrelas, para ser modesto. A resultante todos nós vimos. Tomara que” nosso enfermo”, em primeiro lugar se cure tendo alta e que depois saiba fazer a manutenção de seu estado para não precisar voltar ao hospital.
    Coloradamente,
    Melo

  7. Simone, muito bom o teu texto. Uma visão e análise perfeita da realidade. Parabéns! Gostaria de salientar alguns pontos. Penso que será uma grande dificuldade lidar com a quantidade elevada de “abacaxis” que ficaram, como jogadores com contratos vigentes e com altos salários. A situação financeira é uma incógnita. Concordo plenamente contigo quando afirmas que ser rebaixado é uma grande ‘tragédia’ e pouco me importa a posição de parte da imprensa, entretanto continuo acreditando que essa queda à 2ª Divisão não é guerra perdida. Essa mesma parte da imprensa de atuação altamente questionável, mais torcedora que profissional, esquece propositalmente de todos os casos “inexplicáveis”, para não usar outra definição, que já aconteceram e não foram questionados. A competência da área jurídica de nosso Internacional é inegável e penso que essa questão que envolve a transferência do Victor Ramos não está encerrada e pode causar uma reviravolta. Não vejo nada de ilegal, de desonesto ou de falta de lisura, buscar a justiça no cumprimento das regras de uma competição e na identificação, punição ou devida reparação aos envolvidos. De qualquer forma, na Série A ou B, vamos lá, Inter!

  8. Simone, bom dia! Parabéns pelo texto.

    Tem alguns clubes que são sortudos. O Fluminense é o mais sortudo. Primeiro, deu aquela sorte da confusão que você menciona para sair direto da C para a A. Depois, aquele caso “inexplicável” da Portuguesa (há quem diga que o Flamengo cairia e não o Fluminense devido a outra irregularidade que nunca foi bem explicada e que houve algum arranjo em favor do Flamengo que beneficiou o Fluminense). O Grêmio teve a “sorte” de mudarem o regulamento para subir da B para a A, mesmo tendo se classificado em 8o lugar. O SPFC caiu no Campeonato Paulista e subiu no mesmo ano, ou seja, disputou a Série B do CP e subiu para a A no mesmo ano….rsrsrs…

    Ouvi, não me lembro de quem, e concordo. É mais difícil cair para a Série B do que ser Campeão na Série A. É preciso muito esforço para cair, porque o time tem 16 posições que não caem e uma posição de Campeão. O Inter, em termos de gestão, começou seu planejamento para cair em 2011. Levou 6 anos para concretizar porque em anos anteriores sobrevivia pela ruindade dos adversários. Quando juntou Piffero + Pellegrini + Argel + Paulão de Capitão, não tinha como errar…é como pescar com batata…

    Você põe batata no anzol, joga no rio e puxa….é batata!

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